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Você sabe o que é pécha?

junho 30, 2009

Pedi para a Beth, minha professora de cerâmica, algumas dicas de lugares para visitar nas minhas férias em Pernambuco/Alagoas. Recomendações preciosas que estou procurando seguir a risca. A primeira delas era visitar o ateliê do SAMICO, brilhante gravurista. Conhecemos seu trabalho na Pinacoteca de São Paulo. Estávamos bisbilhotando a livraria em busca de algumas imagens para enquadrarmos e colocarmos na sala de nossa casa. De repente cruzamos com um livro de uma exposição que ele havia feito há algum tempo atrás. Não o conhecíamos. Folheamos o catálogo e em poucos instantes decidimos que suas gravuras nos acompanhariam. Chegando em casa, elegemos 5 delas para emoldurarmos e lá estão. 

Ligamos para o ateliê de SAMICO e no mesmo dia eles nos receberam: Samico e sua mulher Célida. Não imaginávamos ser recebidos pelo próprio artista. Muito simpáticos e bem humorados, com toda atenção do mundo nos convidaram a sentar num salão de pé direito alto e cheio de gravuras produzidas por ele. 

A primeira pergunta que lhe fiz foi: com quem você aprendeu xilogravura? Começou a contar a história de sua vida, “uma novela” como ele mesmo disse. Logo no início da narrativa, minha ansiedade paulistana o interrompeu com uma nova pergunta, já nem me lembro qual. Só sei que ele respondeu “Já quer saber da madeira”. Envergonhada pela minha afobação me contive e evitei fazer muitas perguntas. Ele só precisou de uma deixa, dali para frente o papo brotou.

“Quer que eu pule uns capítulos?” disse, insiste que ele continua-se no seu ritmo. “Ninguém aqui tem pressa… Fico muito calado, eu no meu ateliê lá em cima e Célida aqui embaixo. Quando desço para tomar café digo apenas ‘Quer café?’ e já subo novamente”.

Célida, sempre ao seu lado, quieta mas presente. Durante a conversa, escutou as conhecidas histórias com atenção. Não perdeu a disposição nem a admiração.

"Aquele arco tinha que ser verde!". Samico explica que de um lado da matriz de madeira faz o preto/branco e no verso as cores. Para explicar o processo usa uma gravura como exemplo. A única que produziu com duas matrizes.

"Aquele arco tinha que ser verde!". Samico explica que de um lado da matriz de madeira faz o preto/branco e no verso as cores. Para explicar o processo usa uma gravura como exemplo. A única que produziu com duas matrizes. Fonte da foto: NordesteWeb

Durante a narrativa sobre sua vida, SAMICO nos deu uma aula. Muito detalhista, sempre que usava uma palavra que acreditava que não conhecíamos perguntava “Vocês sabem o que é goiva?”. “Vocês sabem o que é madeira de topo?”. “Vou ter que explicar”. E quando víamos já estávamos perdidos na explicação e custava lembrar o ponto de partida. Chegou um momento que a cada vez que ele nos perguntava se sabíamos o significado de algo, ríamos. O bom humor e a receptividade não perderam espaço naquela rico papo. Impressionante o tempo que o casal nos doou.

Contei-lhe que quando criança durante uma aula de arte havia experimentado a xilogravura usando um pedaço de madeira de caixa de maça. Ele riu e se recordou de seu início como aprendiz. Lívio Abramo, seu mestre na época, recomendou que a noite ele perambulasse pelas ruas que cruzavam a Avenida São João em busca de caixas de maça. Hoje, reconhece que fez milagre na época. A madeira é muito mole, é difícil dar definição, já que absorve demais a tinta. Ele faz questão de trabalhar com madeira bem, bem dura. O trabalho com a matriz é longo. Quando quer branco em determinado trecho do desenho, tem que ser bem branquinho para isso precisa tirar uma área profunda da madeira. “Há pessoas que gostam de dar voz a fantasia da madeira. Eu só gosto de dar voz a minha fantasia.”

Uma das gravuras de SAMICO. Estilo inconfundível.

Uma das gravuras de SAMICO. Estilo inconfundível.

Perfeccionista e com um senso estético rigoroso. Explicou que o processo criativo começa num pequeno pedaço de papel que depois evoluiu para outro em tamanho real. Com cera de abelha, que passa na madeira, transfere o desenho para a matriz. Então começa a luta. Nossa conversa foi uma aula. Não só de xilogravura, mas de humanidade.