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J. Borges

julho 13, 2009

 

Visitei o ateliê do J. Borges, xilogravurista e poeta pernambucano. Não dei a sorte de encontrá-lo, mas fui recebida pelo seu cunhado, responsável pela impressão e pintura das peças. 

 

 

J. Borges é o universo nordestino. Sua habilidade de representar o cotidiano, os costumes e o imaginário da sua gente é impressionante.

 

Xilogravura J.Borges

 

Sua definição para as gravuras que representa:

 

“As histórias que vi acontecer, vivi ou ouvi alguém dizer”

 


Cordel J.Borges

 

Daquele dia, não vou me esquecer de 4 imagens:

 

1) A estante que ocupava uma parede de 4-5 metros de comprimento com vários cordéis, alguns deles escritos pelo próprio J. Borges com causos populares

 

Cordéis Ateliê J. Borges

 

2) A parede cheia de matrizes de madeira com as gravuras feitas pelo artista que, hoje, são também vendidas 

 

Matrizes - Ateliê J.Borges

 

3) A pancada de trabalho

 

Pintura da matriz - Ateliê J.Borges

 

Pincéis e tintas - Ateliê J.Borges 

 

4) O seu filho mais novo, creio que com 12 anos de idade, concentrado desenhando com lápis de cor (infelizmente, não tenho uma foto). Entre as matrizes, alguns de seus modelos. Seu estilo já desponta. O legado de J.Borges se perpetuará com a família muito dedicada ao oficio.

 

Endereço: Av. Major Aprigio da Fonseca, 420 – Rodovia BR 232 – Bezerros/PE

Você sabe o que é pécha?

junho 30, 2009

Pedi para a Beth, minha professora de cerâmica, algumas dicas de lugares para visitar nas minhas férias em Pernambuco/Alagoas. Recomendações preciosas que estou procurando seguir a risca. A primeira delas era visitar o ateliê do SAMICO, brilhante gravurista. Conhecemos seu trabalho na Pinacoteca de São Paulo. Estávamos bisbilhotando a livraria em busca de algumas imagens para enquadrarmos e colocarmos na sala de nossa casa. De repente cruzamos com um livro de uma exposição que ele havia feito há algum tempo atrás. Não o conhecíamos. Folheamos o catálogo e em poucos instantes decidimos que suas gravuras nos acompanhariam. Chegando em casa, elegemos 5 delas para emoldurarmos e lá estão. 

Ligamos para o ateliê de SAMICO e no mesmo dia eles nos receberam: Samico e sua mulher Célida. Não imaginávamos ser recebidos pelo próprio artista. Muito simpáticos e bem humorados, com toda atenção do mundo nos convidaram a sentar num salão de pé direito alto e cheio de gravuras produzidas por ele. 

A primeira pergunta que lhe fiz foi: com quem você aprendeu xilogravura? Começou a contar a história de sua vida, “uma novela” como ele mesmo disse. Logo no início da narrativa, minha ansiedade paulistana o interrompeu com uma nova pergunta, já nem me lembro qual. Só sei que ele respondeu “Já quer saber da madeira”. Envergonhada pela minha afobação me contive e evitei fazer muitas perguntas. Ele só precisou de uma deixa, dali para frente o papo brotou.

“Quer que eu pule uns capítulos?” disse, insiste que ele continua-se no seu ritmo. “Ninguém aqui tem pressa… Fico muito calado, eu no meu ateliê lá em cima e Célida aqui embaixo. Quando desço para tomar café digo apenas ‘Quer café?’ e já subo novamente”.

Célida, sempre ao seu lado, quieta mas presente. Durante a conversa, escutou as conhecidas histórias com atenção. Não perdeu a disposição nem a admiração.

"Aquele arco tinha que ser verde!". Samico explica que de um lado da matriz de madeira faz o preto/branco e no verso as cores. Para explicar o processo usa uma gravura como exemplo. A única que produziu com duas matrizes.

"Aquele arco tinha que ser verde!". Samico explica que de um lado da matriz de madeira faz o preto/branco e no verso as cores. Para explicar o processo usa uma gravura como exemplo. A única que produziu com duas matrizes. Fonte da foto: NordesteWeb

Durante a narrativa sobre sua vida, SAMICO nos deu uma aula. Muito detalhista, sempre que usava uma palavra que acreditava que não conhecíamos perguntava “Vocês sabem o que é goiva?”. “Vocês sabem o que é madeira de topo?”. “Vou ter que explicar”. E quando víamos já estávamos perdidos na explicação e custava lembrar o ponto de partida. Chegou um momento que a cada vez que ele nos perguntava se sabíamos o significado de algo, ríamos. O bom humor e a receptividade não perderam espaço naquela rico papo. Impressionante o tempo que o casal nos doou.

Contei-lhe que quando criança durante uma aula de arte havia experimentado a xilogravura usando um pedaço de madeira de caixa de maça. Ele riu e se recordou de seu início como aprendiz. Lívio Abramo, seu mestre na época, recomendou que a noite ele perambulasse pelas ruas que cruzavam a Avenida São João em busca de caixas de maça. Hoje, reconhece que fez milagre na época. A madeira é muito mole, é difícil dar definição, já que absorve demais a tinta. Ele faz questão de trabalhar com madeira bem, bem dura. O trabalho com a matriz é longo. Quando quer branco em determinado trecho do desenho, tem que ser bem branquinho para isso precisa tirar uma área profunda da madeira. “Há pessoas que gostam de dar voz a fantasia da madeira. Eu só gosto de dar voz a minha fantasia.”

Uma das gravuras de SAMICO. Estilo inconfundível.

Uma das gravuras de SAMICO. Estilo inconfundível.

Perfeccionista e com um senso estético rigoroso. Explicou que o processo criativo começa num pequeno pedaço de papel que depois evoluiu para outro em tamanho real. Com cera de abelha, que passa na madeira, transfere o desenho para a matriz. Então começa a luta. Nossa conversa foi uma aula. Não só de xilogravura, mas de humanidade.